Mensagem do Papa Bento XVI para a Quaresma de 2012 (PARTE 1)
Irmãos e irmãs!
1. «Prestemos atenção»: a responsabilidade pelo irmão.
O primeiro elemento é o convite a «prestar atenção»: o verbo
grego usado é katanoein, que significa observar bem, estar atento,
olhar conscienciosamente, dar-se conta de uma realidade. Encontramo-lo no
Evangelho, quando Jesus convida os discípulos a «observar» as aves do céu, que
não se preocupam com o alimento e todavia são objecto de solícita e cuidadosa
Providência divina (cf. Lc 12, 24), e a «dar-se conta» da trave que têm na
própria vista antes de reparar no argueiro que está na vista do irmão (cf. Lc
6, 41). Encontramos o referido verbo também noutro trecho da mesma Carta aos Hebreus,
quando convida a «considerar Jesus» (3, 1) como o Apóstolo e o Sumo-sacerdote
da nossa fé. Por conseguinte o verbo, que aparece na abertura da nossa
exortação, convida a fixar o olhar no outro, a começar por Jesus, e a estar
atentos uns aos outros, a não se mostrar alheio e indiferente ao destino dos
irmãos. Mas, com frequência, prevalece a atitude contrária: a indiferença, o
desinteresse, que nascem do egoísmo, mascarado por uma aparência de respeito
pela «esfera privada». Também hoje ressoa, com vigor, a voz do Senhor que chama
cada um de nós a cuidar do outro. Também hoje Deus nos pede para sermos o
«guarda» dos nossos irmãos (cf. Gn 4, 9), para estabelecermos relações caracterizadas
por recíproca solicitude, pela atenção ao bem do outro e a todo o seu bem.
O grande mandamento do amor
ao próximo exige e incita a consciência a sentir-se responsável por quem, como eu,
é criatura e filho de Deus: o facto de sermos irmãos em humanidade e, em muitos
casos, também 2 na fé deve levar-nos a ver no outro um verdadeiro alter ego, infinitamente amado pelo Senhor.
Se cultivarmos este olhar de fraternidade, brotarão naturalmente do nosso
coração a solidariedade, a justiça, bem como a misericórdia e a compaixão. O
Servo de Deus Paulo VI afirmava que o mundo actual sofre sobretudo de falta de
fraternidade: «O mundo está doente. O seu mal reside mais na crise de
fraternidade entre os homens e entre os povos, do que na esterilização ou no monopólio, que alguns fazem, dos recursos do universo»
(Carta enc. Populorum progressio, 66).
A atenção ao outro inclui que se deseje,
para ele ou para ela, o bem sob todos os seus aspectos: físico, moral e
espiritual. Parece que a cultura contemporânea perdeu o sentido do bem e do
mal, sendo necessário reafirmar com vigor que o bem existe e vence, porque Deus
é «bom e faz o bem» (Sal 119/118, 68). O bem é aquilo que suscita, protege e
promove a vida, a fraternidade e a comunhão. Assim a responsabilidade pelo
próximo significa querer e favorecer o bem do outro, desejando que também ele
se abra à lógica do bem; interessar-se pelo irmão quer dizer abrir os
olhos às suas necessidades. A Sagrada
Escritura adverte contra o perigo de ter o coração endurecido por uma espécie
de «anestesia espiritual», que nos torna cegos aos sofrimentos alheios. O
evangelista Lucas narra duas parábolas de Jesus, nas quais são indicados dois
exemplos desta situação que se pode criar no coração do homem.
Na parábola do
bom Samaritano, o sacerdote e o levita, com indiferença, «passam ao largo» do
homem assaltado e espancado pelos salteadores (cf. Lc 10, 30-32), e, na do rico
avarento, um homem saciado de bens não se dá conta da condição do pobre Lázaro
que morre de fome à sua porta (cf.
Lc 16, 19). Em ambos os casos, deparamo-nos
com o contrário de «prestar atenção», de olhar com amor e compaixão. O que é
que impede este olhar feito de humanidade e de carinho pelo irmão? Com
frequência, é a riqueza material e a saciedade, mas pode ser também o antepor a
tudo os nossos interesses e preocupações próprias. Sempre devemos ser capazes
de «ter misericórdia» por quem sofre; o nosso coração nunca deve estar tão absorvido
pelas nossas coisas e problemas que fique surdo ao brado do pobre.
Diversamente, a humildade de coração e a experiência pessoal do sofrimento
podem, precisamente, revelar-se fonte de um despertar interior para a compaixão
e a empatia: «O justo conhece a causa dos pobres, porém o ímpio não o
compreende» (Prov 29, 7). Deste modo entende-se a bem-aventurança «dos que
choram» (Mt 5, 4), isto é, de quantos são capazes de sair de si mesmos porque
se comoveram com o sofrimento alheio. O encontro com o outro e a abertura do
coração às suas necessidades são ocasião de salvação e de bem-aventurança. O
facto de «prestar atenção» ao irmão inclui, igualmente, a solicitude pelo seu
bem espiritual.
E aqui desejo recordar um aspecto da vida cristã que me parece
esquecido: a correcção fraterna, tendo em vista a salvação eterna. De forma
geral, hoje é-se muito sensível ao tema do cuidado e do amor que visa o bem
físico e material dos outros, mas quase não se fala da responsabilidade
espiritual pelos irmãos. Na Igreja dos primeiros tempos não era assim, como não
o é nas comunidades verdadeiramente maduras na fé, nas quais se tem a peito não
só a saúde corporal do irmão, mas também a da sua alma tendo em vista o seu
destino derradeiro. Lemos na Sagrada Escritura: «Repreende o sábio e ele te
amará. Dá conselhos ao sábio e ele tornar-se-á ainda mais sábio, ensina o justo
e ele aumentará o seu saber» (Prov 9,
8-9). O próprio Cristo manda repreender o irmão que cometeu um pecado (cf. Mt
18, 15). O verbo usado para exprimir a correcção fraterna – elenchein – é o mesmo
que indica a missão profética, própria dos cristãos, de denunciar uma geração que
se faz condescendente com o mal (cf. Ef 5, 11).
A tradição da Igreja enumera
entre as obras espirituais de misericórdia a de «corrigir os que erram». É
importante recuperar esta dimensão do amor cristão. Não devemos ficar calados
diante do mal. Penso aqui na atitude daqueles cristãos que preferem, por respeito
humano ou mera comodidade, adequar-se à mentalidade comum em vez de alertar os próprios irmãos contra
modos de pensar e agir que contradizem a verdade e não seguem o caminho do bem.
Entretanto a advertência cristã nunca há-de ser animada por espírito de
condenação ou 3 censura; é sempre movida pelo amor e a misericórdia e brota
duma verdadeira solicitude pelo bem do irmão. Diz o apóstolo Paulo: «Se
porventura um homem for surpreendido nalguma falta, vós, que sois espirituais,
corrigi essa pessoa com espírito de mansidão, e tu olha para ti próprio, não
estejas também tu a ser tentado» (Gl 6, 1).
Neste nosso mundo impregnado de
individualismo, é necessário redescobrir a importância da correcção fraterna,
para caminharmos juntos para a santidade. É que «sete vezes cai o justo» (Prov
24, 16) – diz a Escritura –, e todos nós somos frágeis e imperfeitos (cf. 1 Jo 1, 8). Por isso, é um grande serviço ajudar,
e deixar-se ajudar, a ler com verdade dentro de si mesmo, para melhorar a
própria vida e seguir mais rectamente o caminho do Senhor. Há sempre necessidade
de um olhar que ama e corrige, que conhece e reconhece, que discerne e perdoa
(cf. Lc 22, 61), como fez, e faz, Deus com cada um de nós.
Fonte: Vaticano
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